Cenas fora de campo – FRANCISCO FOOT HARDMAN

17-02-2014

Cenas fora de campo.  Os roteiros inéditos de Mark Peploe. FRANCISCO FOOT HARDMAN

Articolo pubblicato da “Folha de S. Paulo” (il più importante giornale del Brasile), nel supplemento “Ilustrissima”. Il recente incontro del professor Francisco Foot Hardman con Mark Peploe, a Firenze.

Un sincero ringraziamento al professor F. F. Hardman per questa importante testimonianza e per l’amicizia di cui ci onora.

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrissima/152399-cenas-fora-de-campo.shtml

Cenas fora de campo

 

Os roteiros inéditos de Mark Peploe

FRANCISCO FOOT HARDMAN

RESUMO Roteirista de “Profissão: Repórter” e de longas de Bernardo Bertolucci fala dos filmes que escreveu e que não foram rodados. Entre os scripts inéditos, estão dois que Mark Peploe criou com Antonioni: um que se passaria parcialmente na Amazônia e outro que o cineasta espera ver filmado por Kleber Mendonça Filho.

 

-O cenário não poderia ser melhor. Mark Peploe marcou nosso encontro no Giubbe Rosse, no meio de uma tarde invernal ensolarada como só em Florença. Esse “caffè letterario”, surgido no fim do século 19 num dos cantos da praça da República, é uma rara concessão da capital renascentista italiana à modernidade “art nouveau”. Lugar ideal para falar de projetos perdidos; para evocar sonhos cinematográficos frágeis entre sua difícil fixação em película ou sua desaparição no arquivo de filmes incríveis jamais filmados.

 

Mas quem é esse interlocutor que liga para avisar que atrasará uns cinco minutos, e ao chegar, nem bem tirando o chapéu, pede água, café e uma dose de Averna, tradicional licor amargo típico da melhor época do Giubbe Rosse? Quem se lembra de Mark Peploe?

 

Quem o conhece logo percebe a enorme identidade que ele guarda com seu personagem mais famoso, David Locke, protagonista de “Profissão: Repórter”, interpretado por Jack Nicholson no filme feito por Antonioni em 1975.

 

Autor do argumento inicial e do roteiro dessa obra-prima, Peploe conheceu Michelangelo Antonioni na “swinging” Londres durante as filmagens de “Blow-up”, uma década antes, nascendo daí grande amizade e parcerias.

 

Trabalhou depois muito tempo com Bernardo Bertolucci, sendo o roteirista premiado de “O Último Imperador” (levou o Oscar, o Globo de Ouro e o David de Donatello), além de “O Pequeno Buda” e “O Céu que Nos Protege” (este, uma adaptação do romance de Paul Bowles). Dirigiu também dois longas, “Medo de Escuro” (1991) e “Victory” –este, de 1996, adaptado da novela de Joseph Conrad e ambientado na Indonésia colonial.

 

Nascido no Quênia, em 1943, de pais britânicos, Peploe teve educação cosmopolita e, além da África a que se sente afetivamente vinculado, teve sempre muita proximidade com a Itália. Mas sua base logística foi e continua a ser Londres.

 

Documentarista de destaque na BBC por décadas, conheceu o Brasil nos anos 1960, para fazer uma reportagem-ensaio sobre Oscar Niemeyer. “Era uma época de muita liberdade de criação na BBC, rodávamos o mundo com equipes mínimas e grande abertura para o trabalho”, diz. “Isso marcou profundamente minha formação, e viajar ao Brasil foi sem dúvida importante para forjar esse imaginário do deslocamento que aparece em Profissão: Repórter’.”

 

Bem mais recentemente, voltou fascinado de uma viagem ao Recife, onde esteve, em outubro passado, como membro do júri do festival independente Janela Internacional de Cinema. “Não há dúvida de que o Brasil está repleto de problemas, como o mundo todo. Mas sinto ali uma vitalidade e força criativa difíceis de serem percebidas aqui na Europa. É mais fácil acreditar e ter esperança do lado de vocês.”

 

E daí os ventos benfazejos de uma proposta de parceria talvez impensável há poucos anos. Tendo conhecido o diretor Kleber Mendonça Filho no festival de Locarno, em 2012, e tendo gostado demais de seu “O Som ao Redor”, convidou-o para dirigir um roteiro inédito que ainda guarda daqueles produtivos anos 1970, nascido de outra colaboração com Antonioni: “The Crew” (a tripulação).

 

Argumento original do mestre de Ferrara, é uma história inspirada numa notícia de naufrágio, na distante costa de Nova Gales do Sul, Austrália, num trecho em que o Pacífico se chama mar da Tasmânia. A história inicialmente foi chamada por Antonioni de “Quatro Homens ao Mar”. O roteiro original em inglês foi subscrito pelos dois, mas aparece também no livro de Antonioni, “I Film nel Cassetto” (os filmes na gaveta), com o argumento mais trabalhado e título de “La Ciurma” (a escumalha), que tem uma carga mais negativa do que em inglês.

 

O fato é que, a depender de financiamento viável, poderemos ter, em futuro breve, uma nova e interessante cooperação cinematográfica, não só pelas geografias envolvidas mas também e sobretudo pelas histórias.

 

DOCE O tempo escoa pelas vidraças do Giubbe Rosse, e eu estou ali para saber das memórias de Peploe sobre outro projeto fílmico de Antonioni também nunca realizado: “Tecnicamente Doce”.

 

A história deveria se passar, em tramas paralelas, entre a ilha da Sardenha e a floresta amazônica. O diretor, depois do fracasso definitivo da produção do filme, publicou o roteiro em 1976. E lá, no prefácio, anotou que colaboraram em sua redação, “em momentos e doses diversas”, Mark Peploe, Niccolò Tucci e Tonino Guerra.

 

“Sim, Michelangelo chamou-me, e fui algumas vezes para o seu apartamento, em Roma, onde trabalhamos juntos no texto.”

 

Pergunto-lhe em que idioma escreviam, se em italiano ou em inglês. Ele vacila para responder. É sob visível emoção que reage a um original datilografado em inglês, com correções manuscritas, que lhe ponho diante dos olhos.

 

Explico-lhe que, num golpe de sorte, localizei-o num livreiro antiquário de Baltimore, e que provém do inventário de Hercules Bellville –produtor e diretor norte-americano, colaborador de grandes cineastas, morto em Londres em 2009. “Era meu amigo íntimo”, diz. Depois de várias folheadas, ele começa a lembrar: “Sim, essa letra é dele. Mas continuo a achar surpreendente que este original estivesse com ele”.

 

Antonioni havia escolhido Bellville para ser assistente de direção na Amazônia, respondo. “Sim, mas essas equipes, você sabe, eram incertas, até que o filme se fizesse, e o filme não se fez.” A causa principal: o produtor Carlo Ponti não bancou o financiamento prometido, depois do fracasso comercial de “Zabriskie Point” (1970).

 

Além disso, filmar “dentro da floresta”, como desejava Antonioni, era um desafio técnico grande, à época. Pergunto-lhe se havia estado na Amazônia com ele, nas filmagens para escolha de locação, ocorridas entre 1970 e 1971. “Não, eu sei dessa viagem, mas não o acompanhei.” Eu lhe digo que reconheci sua irmã Clare Peploe –corroteirista de “Zabriskie Point”, depois roteirista e diretora, na época namorada de Antonioni e futura sra. Bernardo Bertolucci– num fotograma que registrava essa misteriosa trupe, guardado nos arquivos da Cinemateca de Bolonha.

 

“Sim”, ele confirma, laconicamente, indicando que não pretende responder a mim pela irmã. Mas depois me pede, mal disfarçando sua emoção, se eu faria a gentileza de lhe dar uma cópia desse original que o amigo Bellville guardara. Como negar a cortesia a esse escritor finíssimo? Enquanto ele ainda o folheia pela última vez, indago se ele começava a se reconhecer em alguns trechos do texto. “Sim, acho que sim”, sorri.

 

Eu lhe pergunto de outro roteiro seu inédito, em coautoria com o poeta Frederick Seidel: “Out of Blue”. Ele me olha, aparentemente espantado por ter desencavado aquilo. E me diz: “Veja você, como seria possível filmar hoje esse roteiro, cuja história se passa, em partes consideráveis, no Cairo e no deserto do Saara?”.

 

Mostra conhecimento e admiração pelo cinema brasileiro. Elogia o mestre Eduardo Coutinho. Eu lhe conto então que, em 1993, o documentarista trabalhou num projeto de roteirização do meu livro sobre a malfadada construção da ferrovia Madeira-Mamoré, “Trem- Fantasma”. Coutinho pensava num longa, que também empacou por falta de recursos.

 

Como Peploe se interessa muito pelo tema e diz que consegue ler um pouco em português, devido à sua familiaridade com o italiano, francês e espanhol, prometo-lhe também um exemplar da edição que teve orelha assinada pelo cineasta –terrível pensar que essas palavras trocamos cerca de uma semana antes do trágico assassinato do grande Coutinho.

 

Ao nos despedirmos, Peploe seguiu sozinho, cruzando a praça. Perto de lá, na Ponte Velha, um enxame de turistas, chineses à frente, ainda tentava, em vão, capturar os últimos tons do pôr do sol sobre o rio Arno, indiferente àquela agitação repetida. Melhor que esse, somente o famoso entardecer final de “Profissão: Repórter”, na frente do hotelzinho de Algeciras, Andaluzia, no extremo sul da Europa.

 

No Giubbe Rosse, começava a fluir uma nova rodada de clientes, como se o tempo assim posto pudesse esclarecer alguma coisa. Na mesa, ainda se podia ver, por um bom intervalo equivalente à lentidão dos garçons, um copo de água pela metade. E uma xícara de café e um cálice de Averna vazios, na justa medida de suas doses. Naturalmente amargas.

Folha de S.Paulo

 

 

FRANCISCO FOOT HARDMAN

FRANCISCO FOOT HARDMAN

 

FRANCISCO FOOT HARDMAN durante una sua recente visita a Ferrara, vicino all'ultima casa abitata da Michelangelo Antonioni nella sua città natale.

FRANCISCO FOOT HARDMAN durante una sua recente visita a Ferrara, vicino all’ultima casa abitata da Michelangelo Antonioni nella sua città natale.

MARK PEPLOE:

Was born at Karen in Kenya and grew up in England and Italy. At eighteen he hitch-hiked to Afghanistan and Nepal and has been an inveterate traveller ever since. He studied politics and philosophy at Oxford. Later he became a researcher for the BBC before joining AKA, a documentary film company where he made films about Max Frisch, Oscar Niemeyer and Melina Mercouri.

 

He began writing screenplays in 1969 and has collaborated amongst others with Jacques Demy, René Clément, Michelangelo Antonioni and Bernardo Bertolucci.

 

His principal credits include Antonioni’s The Passenger (1974) and The Last Emperor (1987) with Bernardo Bertolucci, for which he won the Golden Globe and an Academy Award.

 

As a writer-director he made a half hour fiction film Samson and Delilah (1985), nominated for a Bafta, then the feature Afraid of the Dark (1991), a psychological thriller with Fanny Ardant and James Fox.

 

In 1997 he made Victory from the novel by Joseph Conrad with Willem Dafoe and Irène Jacob, which was an official selection at the San Sebastian Festival.

 

With his sister Clare he wrote High Season (1987), Silver Shell at the San Sebastian Festival, and for Bertolucci he adapted The Sheltering Sky (1990) from the Paul Bowles novel, and worked on Little Buddha (1993).

He has written the script for Bertolucci’s next film based on the life of the 16th century Neapolitan composer Gesualdo da Venosa, and is presently developing an action-thriller called The Crew from a story by Antonioni. http://www.sansebastianfestival.com/in/ficha.php?ano=2007&id=775

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